Sunday, December 31, 2006

"OLHEM LÁ NO CÉU!" "É UM PÁSSARO!" "É UM AVIÃO!" "NÃO! É O SUPER-HOMEM!"




Certamente, o Super-Homem é o herói das revistas em quadrinhos que mais recebeu adaptações para filmes, tanto para o cinema, quanto para a televisão. Comparando as diferentes versões, podemos perceber que em cada uma delas, uma das personagens que compõem o universo do herói se destacou mais. Por exemplo, no seriado Lois e Clark, quem roubava a cena era a Lois Lane, interpretada por Teri Hatcher, enquanto no seriado Smallville, quem rouba a cena é o Lex Luthor, interpretado por Michael Rosenbaum. Para a maioria do público, O Super-Homem definitivo foi o interpretado pelo saudoso Christopher Reeve. Eu também acho formidáveis os dois primeiros longa-metragens com Reeve. No entanto, nunca gostei da maneira como o alter ego do herói, o repórter Clark Kent, foi retratado nesses filmes. O Super-Homem interpretado por Reeve era perfeito, mas seu Clark era irritante. Não era culpa do ator, mas dos roteiristas dos filmes, que preferiram retratá-lo como um bobalhão.

Por isso, na minha modesta opinião de fã de quadrinhos e de filmes, o melhor Clark Kent foi aquele interpretado por George Reeves, no seriado As aventuras do Super-Homem. O seriado estreou em 1952 e foi um sucesso. Nessa série, cujas duas primeiras temporadas estão disponíveis em DVD, Clark tem nada de bobalhão. George Reeves fazia um Clark Kent com um temperamento mais apropriado para um repórter: um sujeito reservado, discreto, mas atento,investigativo, e cheio de contatos e de fontes.

Devido ao orçamento limitado, os diretores costumavam reaproveitar cenas de outros episódios e até imagens de arquivo (cenas tiradas de documentários e de outros filmes). Tudo era contornado com criatividade. Em algumas cenas, o Super-Homem não era mostrado voando, mas o vôo era sugerido por meio de outros recursos: o som do vôo, semelhante a uma ventania, como que atravessando as nuvens; mostrar o herói saltando para cima (o ator saltava de um trampolim, que ficava escondido no cenário, às vezes no meio de um arbusto) ou apenas entrando pela janela de um prédio (o que os espectadores não viam era a barra de ginástica, por onde o ator se segurava enquanto passava pela janela do cenário). Nos episódios, o herói quase sempre enfrentava gangsteres. Nenhum dos supervilões dos quadrinhos apareceu na série, nem mesmo Luthor. Apesar disso, a série era muito boa e tinha um tom bem mais “sério” do que o de seriados feitos posteriormente, como, por exemplo, os do Batman, com Adam West , e da Mulher-Maravilha, com Linda Carter. Infelizmente, pouco tempo depois do cancelamento do seriado, o ator George Reeve foi encontrado morto por um tiro. As circunstâncias de sua morte permanecem misteriosas. Oficialmente, foi suicídio, mas há quem acredite que ele foi assassinado. Esse é justamente o tema de um filme recentemente lançado nos Estados Unidos, no qual Ben Affleck interpreta George Reeves.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).


Friday, December 22, 2006

O QUE OS AUTORES BRASILEIROS PODEM APRENDER COM OS QUADRINHOS DA EUROPA


Muito da fama do Alan Moore e do Neil Gaiman se deve ao fato de serem autores que nasceram num país onde o idioma é o inglês e que escrevem nesse idioma. Esse simples fato contribuiu para que Moore, Gaiman e outros roteiristas britânicos encontrassem trabalho nas duas maiores editoras de quadrinhos dos Estados Unidos, a Marvel e a DC. O Reino Unido pode não ter uma indústria de quadrinhos tão expressiva quanto a que existe nos Estados Unidos ou no Japão, mas tem como língua principal a mesma que é falada na maior potência econômica e militar do planeta. Há dois roteiristas que escrevem quadrinhos adultos e que são tão bons ou melhores que qualquer um dos roteiristas britânicos que trabalham para o mercado norte-americano: Giancarlo Berardi, o criador de Ken Parker, e Gianfranco Manfredi, o criador de Mágico Vento. No entanto, dificilmente você os verá sendo citados na lista dos dez melhores roteiristas de quadrinhos, porque a maioria das pessoas que participam dessas votações ignoram os quadrinhos europeus.

A Itália é um país com uma respeitável tradição nos quadrinhos. Tradição essa que inclui desde histórias com personagens Disney criadas por artistas locais, faroestes (cujo exemplo mais famoso é Tex, sucesso de público na Itália e no Brasil) e até obras de mestres do erotismo como Milo Manara e outros. No entanto, para boa parte da “imprensa especializada em quadrinhos”, a Itália e o resto da Europa continental parece não existir. Por que isso acontece? A explicação é simples, porque essa parcela da nossa “crítica especializada” macaqueia a “crítica especializada” norte-americana. Infelizmente, para muita gente nos Estados Unidos, revista em quadrinhos é sinônimo de super-heróis ou de gêneros de fantasia afins como “ficção científica” ou “espada e magia”. Em suma, para eles, os gibis devem ter o mesmo tipo de temática dos videogames. Prova disso é que quase toda história em quadrinhos européia ou japonesa que se tornou mais conhecida nos estados Unidos possui elementos de ficção científica: Asterix é praticamente desconhecido nos Estados Unidos, mas o francês Moébius, por desenhar histórias de FC, tornou-se famoso o suficiente para desenhar uma história do Surfista Prateado escrita por Stan Lee; mangás sobre esportes são extremamente populares no Japão, mas o que tornou os mangás conhecidos nos Estados Unidos foram obras de FC como Akira, a famosa série criada por Katsuhiro Otomo.

É fácil entender porque as tentativas de se publicar os quadrinhos da Bonelli nos Estados Unidos fracassaram. Aventuras com heróis de carne e osso, sem superpoderes e criadas com base em forte pesquisa histórica e geográfica não atraem o leitor médio já viciado em super-heróis e mangás, para quem as revistas em quadrinhos devem estar recheadas de violência desnecessária, situações e personagens inverossímeis. Japão e Estados Unidos são as indústrias de quadrinhos mais “bitoladas” do mundo. Não é á toa que Asterix é bastante conhecido na maior parte da Europa enquanto permanece pouco conhecido no Japão e nos Estados Unidos.

Também é comum certos críticos esnobarem quadrinhos que adotem uma narrativa ou diagramação convencionais. Para esses críticos, “tradicional” é sinônimo de “ultrapassado”. Na verdade, na maioria dos casos, “tradicional” é sinônimo de “funcional”. Na série Torpedo, dos espanhóis Bernet (desenhos) e Abuli (roteiro) vemos uma diagramação totalmente convencional, seis quadros por página, distribuídos em três tiras por página e a narrativa flui maravilhosamente bem. Os quadrinhos de Tex também se destacam pela diagramação convencional, o que talvez explique porque seu público é tão fiel, pois é uma série que não se deixou levar por “modismos”. Vários mestres da narrativa empregaram diagramações convencionais. Por outro lado, muitos quadrinhos de super-heróis para parecerem “moderninhos” abusam da “pirotecnia”, fazendo diagramações confusas que costumam afastar o leitor eventual dos quadrinhos.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).