Saturday, December 17, 2005

OS GORILAS PREFEREM AS LOIRAS OU FILME "B" GERA GIBI DE SUCESSO


Em 1961, estreou nas telas dos cinemas Konga, uma das inúmeras imitações de King Kong. Não, não era uma versão feminina do gorila gigante. Muito menos propaganda de uma antiga marca de tênis muito popular no Brasil na década de 1970. O filme é uma pérola do cinema trash (a gente devia traduzir logo por “lixo”, pra admitir que gostamos desse tipo de porcaria) e tinha no elenco o ator inglês Michael Gough no papel do cientista vilão. Para quem não sabe, Gough é o mesmo que anos depois viria interpretar o mordomo Alfred nos dois primeiros filmes do Batman dirigidos por Tim Burton. No entanto, a quadrinização do filme desenhada por Steve Ditko, o mesmo artista que desenhou os primeiros gibis do Homem-Aranha, conseguiu um feito notável: trata-se de um caso único de quadrinização que foi mais bem sucedida do que o filme que a inspirou.

A maioria das adaptações de filmes para quadrinhos deixa muito a desejar. Quase sempre, essas adaptações são muito pouco fiéis aos filmes. Há explicações para essa pouca fidelidade. Muitas vezes, por questões de royalties, nem sempre os desenhistas estão autorizados a retratarem as personagens com os rostos de seus intérpretes. Além disso, como essas adaptações são feitas antes mesmo dos filmes ficarem prontos, para que a versão em quadrinhos seja lançada na mesma época da estréia do filme no cinema, quase sempre o roteirista do gibi é obrigado a fazer a adaptação a partir de uma primeira versão do roteiro do filme, que raramente é o roteiro definitivo. Nas produções cinematográficas, um filme pode ser reescrito muitas vezes e a versão definitiva pode ser bem diferente da primeira. Daí as várias diferenças que podem ocorrer entre a história contada no cinema e a contada no gibi. Não é de causar surpresa que boa parte dessas adaptações desagradem tanto o público quanto a crítica. Ao que parece, a adaptação de Konga foi uma feliz e inesperada exceção.

O filme Konga conta a história de um cientista que faz experiências com crescimento. Essas experiências transformam um macaquinho num chimpanzé, que por sua vez é transformado num gorila e, finalmente, em um gorila gigantesco que aterroriza Londres. A adaptação em quadrinhos desenhada por Ditko foi publicada pela Charlton e fez tanto sucesso que a editora resolveu “ressuscitar” o macaco publicando novas histórias de Konga. Na verdade, era um outro gorila com o mesmo nome, mas que diferente do seu antecessor, não era uma ameaça, mas o herói da história, enfrentado ameaças como outros monstros gigantes e até nazistas(!). De 1961 até 1965 foram lançadas quinze edições de Konga. Em 1962, a Charlton lançou The Return of Konga, cuja primeira edição não trazia o número na capa. Em 1963, o título The Return of Konga foi substituída por Konga´s Revenge, série que durou apenas três números, apesar da numeração começar a partir do dois (o pessoal da Charlton não devia ser muito bom em aritmética...).A maioria dos roteiros foram escritos por Joe Gill.

As histórias de Konga foram republicadas várias vezes. Em 1966, o número 24 da revista Fantastic Giants republicou as origens de Konga e Gorgo (outro monstro que aterrorizou Londres, cujo filme também foi adaptado para os quadrinhos pela Charlton). O mais estranho é que o número 24 foi o primeiro e único publicado! Outro exemplo da “aritmética milagrosa” da Charlton... Em 1981, várias dessas histórias foram republicadas em The Lonely One, uma coletânea em preto e branco. Nos últimos anos, os gibis de Konga são raridades bastante disputadas pelos colecionadores nos Estados Unidos, especialmente entre os fãs de Ditko.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).