O QUE OS AUTORES BRASILEIROS PODEM APRENDER COM OS QUADRINHOS DA EUROPA
Muito da fama do Alan Moore e do Neil Gaiman se deve ao fato de serem autores que nasceram num país onde o idioma é o inglês e que escrevem nesse idioma. Esse simples fato contribuiu para que Moore, Gaiman e outros roteiristas britânicos encontrassem trabalho nas duas maiores editoras de quadrinhos dos Estados Unidos, a Marvel e a DC. O Reino Unido pode não ter uma indústria de quadrinhos tão expressiva quanto a que existe nos Estados Unidos ou no Japão, mas tem como língua principal a mesma que é falada na maior potência econômica e militar do planeta. Há dois roteiristas que escrevem quadrinhos adultos e que são tão bons ou melhores que qualquer um dos roteiristas britânicos que trabalham para o mercado norte-americano: Giancarlo Berardi, o criador de Ken Parker, e Gianfranco Manfredi, o criador de Mágico Vento. No entanto, dificilmente você os verá sendo citados na lista dos dez melhores roteiristas de quadrinhos, porque a maioria das pessoas que participam dessas votações ignoram os quadrinhos europeus.
A Itália é um país com uma respeitável tradição nos quadrinhos. Tradição essa que inclui desde histórias com personagens Disney criadas por artistas locais, faroestes (cujo exemplo mais famoso é Tex, sucesso de público na Itália e no Brasil) e até obras de mestres do erotismo como Milo Manara e outros. No entanto, para boa parte da “imprensa especializada em quadrinhos”, a Itália e o resto da Europa continental parece não existir. Por que isso acontece? A explicação é simples, porque essa parcela da nossa “crítica especializada” macaqueia a “crítica especializada” norte-americana. Infelizmente, para muita gente nos Estados Unidos, revista em quadrinhos é sinônimo de super-heróis ou de gêneros de fantasia afins como “ficção científica” ou “espada e magia”. Em suma, para eles, os gibis devem ter o mesmo tipo de temática dos videogames. Prova disso é que quase toda história em quadrinhos européia ou japonesa que se tornou mais conhecida nos estados Unidos possui elementos de ficção científica: Asterix é praticamente desconhecido nos Estados Unidos, mas o francês Moébius, por desenhar histórias de FC, tornou-se famoso o suficiente para desenhar uma história do Surfista Prateado escrita por Stan Lee; mangás sobre esportes são extremamente populares no Japão, mas o que tornou os mangás conhecidos nos Estados Unidos foram obras de FC como Akira, a famosa série criada por Katsuhiro Otomo.
É fácil entender porque as tentativas de se publicar os quadrinhos da Bonelli nos Estados Unidos fracassaram. Aventuras com heróis de carne e osso, sem superpoderes e criadas com base em forte pesquisa histórica e geográfica não atraem o leitor médio já viciado em super-heróis e mangás, para quem as revistas em quadrinhos devem estar recheadas de violência desnecessária, situações e personagens inverossímeis. Japão e Estados Unidos são as indústrias de quadrinhos mais “bitoladas” do mundo. Não é á toa que Asterix é bastante conhecido na maior parte da Europa enquanto permanece pouco conhecido no Japão e nos Estados Unidos.
Também é comum certos críticos esnobarem quadrinhos que adotem uma narrativa ou diagramação convencionais. Para esses críticos, “tradicional” é sinônimo de “ultrapassado”. Na verdade, na maioria dos casos, “tradicional” é sinônimo de “funcional”. Na série Torpedo, dos espanhóis Bernet (desenhos) e Abuli (roteiro) vemos uma diagramação totalmente convencional, seis quadros por página, distribuídos em três tiras por página e a narrativa flui maravilhosamente bem. Os quadrinhos de Tex também se destacam pela diagramação convencional, o que talvez explique porque seu público é tão fiel, pois é uma série que não se deixou levar por “modismos”. Vários mestres da narrativa empregaram diagramações convencionais. Por outro lado, muitos quadrinhos de super-heróis para parecerem “moderninhos” abusam da “pirotecnia”, fazendo diagramações confusas que costumam afastar o leitor eventual dos quadrinhos.
Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).
1 Comments:
tem HQs japonesas que tem argumentos legais...
e é praticamente dificil ver isso na HQ n.americana.
Post a Comment
<< Home