Friday, November 03, 2006

RESERVA DE MERCADO: A SALVAÇÃO DOS QUADRINHOS NACIONAIS?



De tempos em tempos, aparece alguém para defender a reserva de mercado para os quadrinhos nacionais. Um certo deputado federal chegou a elaborar um projeto que, em tese, iria obrigar as editoras brasileiras a publicarem 20% de quadrinhos nacionais.
Sou totalmente contra a idéia por várias razões. Em primeiro lugar, é uma forma de censura, de autoritarismo. Em segundo lugar, é uma medida puramente demagógica e xenófoba.
A idéia é ingênua pois parte do pressuposto de que se pode mudar um mercado, ainda mais um mercado tão cheio de especificidades quanto o dos quadrinhos, por decreto ou por lei. As coisas não funcionam assim. Mesmo que essa tal lei dos 20% passe a vigorar, não há garantias de que, caso ela seja aprovada, os donos das editoras passem a investir na produção de quadrinhos nacionais. Nada impede, por exemplo, que um dono de editora de quadrinhos prefira, em decorrência de uma lei como essa, deixar de lado a publicação de quadrinhos para investir em outros gêneros de publicações com retorno financeiro mais garantido (revistas sobre fofocas envolvendo atores e atrizes de novelas; publicações pornográficas; revistas sobre moda etc.). Também não impede que o dono da editora decida simplesmente mudar de ramo, por exemplo, fechar a editora para montar um bar ou lanchonete.
O principal argumento usado pelos defensores da proposta é que a maioria dos editores prefere investir na publicação de material estrangeiro (em sua maioria, norte-americano ou japonês) porque é muito mais barato e menos arriscado do que investir na produção nacional. Sem dúvida. Mas as revistas em quadrinhos mais vendidas no Brasil são 100% brasileiras. Os gibis da Turma da Mônica produzidos pela equipe de Maurício de Sousa são os mais vendidos no país, superando por ampla vantagem todos os demais títulos publicados no Brasil (revistas Disney; super-heróis Marvel/DC; mangás...).
Outro argumento usado pelos defensores da proposta é que em paises como a Coréia do Sul foram adotadas políticas governamentais de incentivo à produção nacional de quadrinhos. No entanto, não mencionam, que um grande número de quadrinhos japoneses já foram pirateados na Coréia do Sul. A propósito, no Brasil já existiu reserva de mercado para a informática, que tinha o objetivo de “estimular a indústria nacional a desenvolver seus próprios programas de computador”. Na prática, estimulou apenas a pirataria e o contrabando.
No Brasil, não existe reserva de mercado para telenovelas. O SBT vive exibindo novelas mexicanas. O que não impede que a Rede Globo prefira investir na produção de suas próprias telenovelas.
Para que a produção nacional de quadrinhos se desenvolva no Brasil, precisamos melhorar a educação no país. O Brasil é um país onde grande parte da população é analfabeta funcional, o que reduz consideravelmente o mercado editorial como um todo. Esse fato também ajuda a explicar nossa escassez de roteiristas.
No caso dos quadrinhos de maior apelo comercial, não é mais possível criar personagens de quadrinhos sem pensar no licenciamento para outros tipos de produtos (brinquedos, camisetas, filmes...). A Marvel e a DC vendem direitos de adaptação dos seus super-heróis para os grandes estúdios de Hollywood. Os quadrinhos japoneses ganham adaptações para desenhos animados e videogames. O elefante Jotalhão aparece nas embalagens de extrato de tomate. Mas esse é um assunto para outro texto...
P.S: Para ilustrar o post de hoje, inseri essa ilustração bacana do desenhista pernambucano Watson Portela, que mostra vários super-heróis dos quadrinhos nacionais.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).