RESENHAS DE LIVROS SOBRE QUADRINHOS
Hoje estou postando três resenhas minhas que foram originalmente publicadas na Agaquê, a revista eletrônica do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Para quem não conhece o trabalho do Núcleo, que é coordenado pelo Professor Doutor Waldomiro Vergueiro, um dos maiores estudiosos das Histórias em quadrinhos no Brasil, sugiro visitar o site do NPHQ: http://www.eca.usp.br/nucleos/nphqeca/nucleousp/index.htm
SABIN, Roger. Comics, comix and graphic novels: a history of comic art.
London : Phaidon Press, 1996. 240 p. ISBN: 0 7148 3008 9
Você está cansado de ler livros em que a história dos quadrinhos terminava no comecinho da década de 1980, quando muito, e excluía todas as criações mais recentes, como Watchmen ou Spawn, por exemplo? Pois então a boa pedida é Comics, comix and graphic novels -- a history of comic art, de Roger Sabin.
Trata-se basicamente de uma história das Histórias em Quadrinhos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, mas o autor, crítico de arte londrino e professor no Central St Martin's College of Art, também faz rápidos comentários sobre a atenção (ou desatenção) recebida, pelas edições em inglês, de alguns quadrinhos produzidos no Japão e na Europa continental.
No geral, o livro se mostra bastante atualizado e abrangente e é um prato cheio, por exemplo, para quem se interessa pelo quadrinho underground e alternativo. Essa, aliás, é a especialidade de Sabin, que, em parceira com Martin Baker, já escreveu Adult comics: an introduction, outro livro sobre o assunto. Comics, comix and graphic novels também é uma das poucas obras que comenta a nova onda de quadrinhos independentes americanos, representada por autores como Peter Bagge (Hate) e Dan Clowes (Eightball). Além disso, talvez seja a única a relatar a curiosa trajetória da Viz (uma espécie de Casseta Popular inglesa), que começou com uma tiragem de 150 exemplares e, pouco a pouco, ultrapassou a marca de 1 milhão de exemplares.
O livro não vai decepcionar os fãs de super-heróis, pois é atualizado o bastante para tratar do surgimento da Image Comics, editora que revolucionou o mercado com suas revistas coloridas por computador. Numa perspectiva mais "séria", o autor também toca alguns pontos polêmicos: a censura, o racismo, o sexismo e o fato de que muitos criadores não usufruíram as fortunas criadas em torno de seus trabalhos.
Vale ressaltar que Sabin não se propõe a catalogar nem a citar o maior número possível de personagens ou de criadores. Prefere, isto sim, fazer uma análise geral de cada um dos principais gêneros e mencionar apenas os nomes mais representativos. As únicas omissões graves do livro dizem respeito às tiras de jornais distribuídas via syndicates. É de estranhar que Calvin, de Bill Watterson, e Doonesbury, de Garry Trudeau, por exemplo, sequer sejam citados. Mas, no que se refere às histórias em quadrinhos em forma de comic book ou graphic novel, o livro não deixa nada a desejar.
Além de discutir o papel dos quadrinhos como arte e meio de comunicação, Sabin jamais esquece que eles são, antes de mais nada, uma indústria. Nessa linha, o autor analisa as tendências de mercado e as estratégias comerciais adotadas pelas editoras. Trata-se, mais uma vez, de uma abordagem rara em outras obras do gênero (outro ponto bastante positivo é que, ao final de cada capítulo, há um conjunto de notas com observações e fontes bibliográficas, coisa que também não costumamos encontrar por aí).
Mesmo que você não concorde com muitas das opiniões do autor ou até o ache um pouco pretensioso em alguns momentos, Comics, Comix and Graphic Novels constitui-se em boa fonte de referência para pesquisadores e aficcionados. E com mais um diferencial: o belo projeto gráfico que caracteriza todas as publicações da Phaidon.
CHELSEA, David. Perspective! for comic book artists: how to achieve a professional look in your artwork . New York : Watson-Guptill Publications, 1997. 176 p. ISBN 0-8230-0567-4 US$19.95
Imagine uma história do Homem-Aranha onde o nosso herói não apareça saltando ou se balançando entre os prédios e arranha-céus de Nova Iorque. Impossível, a não ser que ele tenha sido arrancado de seu ambiente, ou, até, que o desenhista tenha se esquecido de acrescentar os cenários. Esse exemplo serve para mostrar a importância do conhecimento sobre perspectiva, que torna possível ao artista desenhar, nos mais diversos ângulos, cenários de grandes metrópoles ou um simples cômodo mobiliado. Por isso, um livro como Perspective! for comic book artists: how to achieve a professional look in your artwork , do cartunista americano David Chelsea, é mais do que bem-vindo.
Apesar de desconhecido no Brasil, o autor é um desenhista experiente, tendo colaborado em diversas publicações como, por exemplo, o New York Times , a Reader’s Digest (mais conhecida por aqui como Seleções) e Spy. Além disso, produz caricaturas para o New York Observer e é autor de duas graphic-novels autobiográficas, David Chelsea in Love e Welcome to the Zone .
O livro foi criado para atender às necessidades específicas dos desenhistas de quadrinhos que, em seus trabalhos, precisam desenhar bem e rapidamente qualquer coisa pedida em um roteiro, mas, na maioria das vezes, não dispõem de tempo e nem de referências. Não é à toa, como o próprio Chelsea menciona na página de agradecimentos, que boa parte dos desenhos de fundos e cenários nos quadrinhos seja feita, na verdade, por assistentes anônimos - e que o próprio livro dele se inclui nesse caso. Ele agradece a ajuda de seus três assistentes David Kidd, Milan Erceg e Tom Herman, cujo resultado final, diga-se de passagem, é belíssimo.
Perspective! for comic book artists não irá decepcionar tanto os iniciantes no assunto como os profissionais em busca de referência, pois não se enquadra nem entre os manuais que tratam o tema de maneira vaga e superficial, como um mero apêndice, nem entre as obras técnicas, feitas para arquitetos e engenheiros, e que fazem o assunto parecer um bicho de sete cabeças para os leigos.
O mais interessante é a forma que Chelsea escolheu para tratar do assunto: na própria forma de uma história em quadrinhos. Nada mais apropriado, se considerarmos o público-alvo. A inspiração, é claro, como o próprio Chelsea admite, veio do aclamado Understanding Comics (no Brasil, Desvendando os Quadrinhos ) de Scott McCloud . Essa escolha, além de tornar o ensino de perspectiva mais claro e objetivo (sem falar em mais divertido), ajuda a comprovar as teorias de McCloud sobre o potencial dos quadrinhos, com diferentes finalidades.
O próprio Chelsea aparece como protagonista da história, dando aulas particulares para Mugg, um personagem criado especialmente para o livro, no “papel” do aluno ignorante. Além de render algumas das passagens mais engraçadas do livro, Mugg com certeza foi criado para que muitos dos leitores se identificassem com ele. A exemplo do livro de McCloud, Chelsea também termina prometendo uma continuação. Tomara que saia logo.
Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).
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