Saturday, December 31, 2005

SANTA ESCÓCIA! MORT WEISINGER, O EDITOR QUE REFORMULOU O SUPER-HOMEM



Nem só de roteiristas e desenhistas dependem os quadrinhos. Bons editores também são vitais para que as revistas continuem atraindo leitores. Nos Estados Unidos, entre os editores que contribuíram para a consolidação do mercado de revistas em quadrinhos podemos destacar Stan Lee,Julius Schwartz e Mort Weisinger. Hoje, estou postando uma biografia desse último, que escrevi originalmente como um verbete para uma enciclopédia on line.

WEISINGER, Mort (1915-1978) Editor e argumentista que foi o principal responsável durante sua estada na DC Comics pela introdução de novos conceitos e personagens nos gibis do Super-Homem: Supermoça; Krypto, o Supercão; Bizarro; a Fortaleza da Solidão; os vilões da Zona Fantasma; a kryptonita vermelha (que conseguia trazer problemas ainda maiores do que os causados pela kryptonita verde, pois seus efeitos no herói eram imprevisíveis); a cidade engarrafada de Kandor entre outras inovações.

Weisinger era fã de ficção científica desde a adolescência durante a qual, junto com o amigo Julius Schwartz, participou de fanzines dedicados ao gênero. A partir dos dezoito anos, começou a escrever histórias para diversos pulps, revistas impressas em papel barato que publicavam contos de aventura, ficção científica e outros gêneros. Em 1935, ele e Schwartz montaram uma empresa especializada no agenciamento de escritores. Entre os escritores agenciados pela empresa estava H.P Lovecraft, o conhecido autor de histórias de terror.

Em 1941, Weisinger estreou nos quadrinhos quando conseguiu um emprego de editor na DC. Ele havia sido recomendado para o cargo pelo próprio Jerry Siegel, o escritor que criou o Super-Homem. Siegel e Weisinger já haviam colaborado juntos em um fanzine de ficção científica. No seu primeiro dia de trabalho na DC, Weisinger recebeu instruções para criar três novas personagens para o gibi More Fun Comics. Naquele mesmo dia, ele criou Aquaman, Arqueiro Verde e Johnny Quick (personagem similar ao Flash).

Foi durante a década de 1950, aproveitando o sucesso da série de TV do Super-Homem, que Weisinger teve ampliada sua responsabilidade como editor dos gibis do Homem de Aço. Antes de Weisinger ,quase nada se sabia a respeito de Krypton, o planeta natal do Super-Homem. Sob a tutela editorial de Weisinger , o planeta Krypton ganhou um passado. Outra idéia de Weisinger era a piada de o Super-Homem só se envolver com mulheres que tivessem as iniciais L.L.: Lois Lane; Lana Lang; Lori Lemaris etc.

As revistas do Super-Homem editadas por Weisinger traziam capas feitas especialmente para atiçar a curiosidade dos leitores. Estas capas além de anunciarem a história principal (quase sempre com um título sensacionalista) costumavam conter balões de fala ou de pensamento. As idéias para as histórias costumavam partir do próprio Weisinger que incubia os roteiristas de as desenvolverem. Em 1970, Mort Weisinger se aposentou e deixou os quadrinhos. Segundo ele próprio, sua principal contribuição para o Super-Homem foi estabelecer uma mitologia para o herói.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).

Thursday, December 29, 2005

Em correspondência com fã, Wallace Wood, antigo desenhista da MAD, se queixava de famoso editor e da indústria dos quadrinhos








Wallace Wood ou Wally Wood ,como costumava assinar seus desenhos, foi um dos melhores e mais importantes artistas que já trabalhou nos quadrinhos da terra do Tio Sam. Para os que não o conhecem, vale lembrar que ele foi o primeiro artista a desenhar o Demolidor com o traje vermelho, substituindo o antigo traje amarelo e vermelho. Entre os pontos altos da carreira deste notável artista que nasceu em 1927 e se suicidou em 1981 podemos destacar o fato de ter sido assistente de Will Eisner, para quem desenhou e finalizou algumas aventuras do Spirit, e a fase para a qual trabalhou na editora EC (Entertaining Comics), onde desenhou durante a década de 1950 histórias de terror, suspense e ficção científica.

Na EC, Wood também desenhou algumas das primeiras paródias da revista MAD, incluindo aquela clássica publicada no quarto número e que transformou a revista num sucesso comercial: Superduperman, sátira ao Super-Homem roteirizada por Harvey Kurtzman, onde o herói enfrenta o Captain Marbles (sátira ao Capitão-Marvel). Só para se ter uma idéia, o próprio Alex Ross admitiu numa entrevista que inspirou-se nesta paródia para ilustrar o confronto entre o Super-Homem e o Capitão Marvel na minissérie O Reino do Amanhã. Outros artistas atuais que também receberam influência de Wood são Dave Stevens (Rocketeer) e Dave Gibbons (Watchmen) entre outros. Apesar disso, é pouco lembrado nos dias de hoje e os leitores mais jovens nunca ouviram falar dele.

Para corrigir esta injustiça, o norte-americano John Hitchcock (nenhuma relação com o cineasta Alfred Hitchcock) criou um site chamado The Wally Wood letters que homenageia o artista. O diferencial desse site em relação a outros do gênero é o seu valor documental: Hitchcock que é fã do trabalho de Wood chegou a se corresponder com o artista e resolveu publicar na Internet as cartas que recebeu dele. Ao todo são dezoito cartas, a primeira datada de 23 de agosto de 1976 e a última datada de 6 de fevereiro de 1981, quase nove meses antes do suicídio de Wood em 2 de novembro daquele ano. Curiosamente apesar da amizade entre os dois, Hitchcock e Wood jamais se viram pessoalmente. Nas cartas, Wood responde perguntas sobre sua carreira e conta com sinceridade o que pensava a respeito de algumas figuras do meio editorial. Numa delas, por exemplo, Wood não esconde a antipatia por Stan Lee:

“Eu quero o crédito (e a grana) por tudo que fiz! Tenho ressentimento de caras como Stan Lee mais do que posso dizer! Ele é minha razão número um para continuar vivendo (...). Eu quero ver aquele vagabundo sem talento levar o que merece. (...)”

Em outra, desabafa o ressentimento em relação à indústria dos quadrinhos:

“Meu conselho é: não seja um criador. É muito mais divertido e compensador ser um destruidor de obras alheias com um título como ´Diretor de Criação` ou ´Consultor Assistente Editorial Associado`. (...)”

Quanto à fase em que trabalhou na EC ao lado de artistas do quilate de Jack Davis, Bernie Krigstein, Frank Frazetta e Al Williamson entre outros, Wood comentou:

“Tenho notícias para você (...). A EC ESTÁ MORTA! (...) e agora vinte anos depois (...) as pessoas ainda estão interessadas o bastante em adquirir quadrinhos da EC, em convenções sobre a EC... Foi bom ver os velhos fantasmas se materializando de novo. E depois de tudo, por que não? Eles foram os últimos bons quadrinhos a serem feitos ( e talvez, os primeiros). (...)”

Como não poderia deixar de ser, o site é recheado de imagens dos quadrinhos desenhados por Wood, especialmente de HQs de humor e de ficção científica. Olhando as imagens, é difícil não se impressionar com a técnica de sombra e luz que Wood dominava como poucos. Sua habilidade com a nanquim o tornava um dos arte-finalistas mais requisitados do mercado. Sabia desenhar trajes espaciais como ninguém e suas mulheres provocantes desafiavam , ou melhor, desobedeciam qualquer regra de censura do Comics Code (o Código de Ética dos gibis norte-americanos): eram cheinhas e tinham seios fartos e coxas grossas.

As cartas também fornecem pistas sobre os motivos que levaram Wood a suicidar-se. Nos últimos anos, Wood enfrentou graves problemas de saúde em decorrência de seu alcoolismo, já havia se divorciado de sua primeira esposa (que era a detentora de vários de seus originais) e, para se manter, o artista teve até que desenhar quadrinhos semipornográficos para uma editora francesa (paródias de Alice no país das maravilhas e de personagens como o Príncipe Valente). Wood estava visivelmente deprimido, era um homem solitário e amargurado. Um triste fim para um artista extraordinário. Só nos resta manter sua memória viva, admirando as obras que deixou para a posteridade. As cartas estão disponíveis no endereço:

http://www.tvparty.com/comics/wood.html

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).

Wednesday, December 28, 2005

JENIFER, UMA HISTÓRIA DE ARREPIAR


Kripta é uma revista em quadrinhos que deixou saudades. Também é uma revista difícil de ser encontrada nos sebos. E quando é encontrada, quase sempre sendo vendida por um preço salgado. Infelizmente, nenhum editor brasileiro resolveu republicar os quadrinhos da Warren, extinta editora norte-americana. No entanto, em 2005, uma das mais clássicas histórias já publicadas pela Warren foi adaptada para a televisão por Dario Argento, prestigiado diretor italiano de filmes de terror. Trata-se de Jenifer, história escrita pelo roteirista Bruce Jones (que já escreveu várias histórias de Conan, Kazar e do Incrível Hulk), desenhada pelo “mestre do terror” Berni Wrightson e publicada no número 63 da revista Creepy, lançada em julho de 1974.

A parceria de Jones e Wrightson produziu uma das mais impressionantes histórias de terror já feitas nos quadrinhos. Jones com um roteiro aparentemente simples, mas envolvente e cheio de reviravoltas. Wrightson com seu incrível conhecimento de sombra e luz, imprimindo volume às personagens. Em resumo, trata-se da história de um sujeito que salva a vida de uma garota, a tal Jenifer, mas o que ele não imaginava é que a vida dele ia se transformar num inferno por causa disso.Fisicamente, Jenifer é o que a nossa gíria popular chamaria de "Raimunda", apesar do corpo escultural, o rosto dela é monstruoso, não bastasse isso, ela é sedenta por sexo e sangue. Seria uma vampira? Uma alienígena? Ou apenas uma criança que nasceu deformada e foi abandonada? A resposta para esse mistério, Jones e Wrightson deixaram para a imaginação do público.Independente da explicação (ou falta de uma) para a origem de Jenifer, a história é um verdadeiro espetáculo de síntese e narrativa visual.
Pois, foi justamente essa história que o diretor Argento resolveu adaptar para um dos episódios da série de televisão Masters of Horror, produzida pela rede norte-americana Showtime Networks. Trata-se de uma série na qual cada episódio é dirigido por um cineasta convidado e todos os cineastas convidados são especialistas em filmes de terror. O roteiro foi adaptado por Steven Weber. o resultado final dividiu a crítica: para uns, o filme é repugnante e previsível, para outros, é um dos melhores do gênero, mas não para “todos os estômagos”. Quem quiser ver na íntegra a história em quadrinhos que inspirou o filme, pode encontra-la no Data Junkie, um excelente blog , cujo autor vive em São Francisco, na Califórnia. Basta acessar o link: http://datajunkie.blogspot.com/2005/12/brief-berni-wrightson-retrospective.html

Também vale a pena conferir trechos uma entrevista com o desenhista Berni Wrightson que foi publicada no número 4 da revista Comic Book Artist :

http://www.twomorrows.com/comicbookartist/articles/04wrightson.html

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).

Tuesday, December 27, 2005

NOS MEUS TEMPOS DE ESTUDANTE...


Este é um desenho que foi publicado em abril de 1997 no Urubu, Jornal dos Estudantes de História da USP. Um colega de faculdade, Alexandre Bebiano, me perguntou se eu estaria interessado em criar uma ilustração para um artigo que ele havia escrito para o Urubu e daí nasceu este desenho. O que mais gostei é que tive liberdade total na criação. Foi por causa da publicação deste desenho que um outro colega de faculdade, o Rubens Menezes, me convidou para fazer colaborar no seu premiado website, o Gibindex.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).

Monday, December 26, 2005

RESENHAS DE LIVROS SOBRE QUADRINHOS


Hoje estou postando três resenhas minhas que foram originalmente publicadas na Agaquê, a revista eletrônica do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Para quem não conhece o trabalho do Núcleo, que é coordenado pelo Professor Doutor Waldomiro Vergueiro, um dos maiores estudiosos das Histórias em quadrinhos no Brasil, sugiro visitar o site do NPHQ: http://www.eca.usp.br/nucleos/nphqeca/nucleousp/index.htm

SABIN, Roger. Comics, comix and graphic novels: a history of comic art.
London : Phaidon Press, 1996. 240 p. ISBN: 0 7148 3008 9


Você está cansado de ler livros em que a história dos quadrinhos terminava no comecinho da década de 1980, quando muito, e excluía todas as criações mais recentes, como Watchmen ou Spawn, por exemplo? Pois então a boa pedida é Comics, comix and graphic novels -- a history of comic art, de Roger Sabin.
Trata-se basicamente de uma história das Histórias em Quadrinhos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, mas o autor, crítico de arte londrino e professor no Central St Martin's College of Art, também faz rápidos comentários sobre a atenção (ou desatenção) recebida, pelas edições em inglês, de alguns quadrinhos produzidos no Japão e na Europa continental.
No geral, o livro se mostra bastante atualizado e abrangente e é um prato cheio, por exemplo, para quem se interessa pelo quadrinho underground e alternativo. Essa, aliás, é a especialidade de Sabin, que, em parceira com Martin Baker, já escreveu Adult comics: an introduction, outro livro sobre o assunto. Comics, comix and graphic novels também é uma das poucas obras que comenta a nova onda de quadrinhos independentes americanos, representada por autores como Peter Bagge (Hate) e Dan Clowes (Eightball). Além disso, talvez seja a única a relatar a curiosa trajetória da Viz (uma espécie de Casseta Popular inglesa), que começou com uma tiragem de 150 exemplares e, pouco a pouco, ultrapassou a marca de 1 milhão de exemplares.
O livro não vai decepcionar os fãs de super-heróis, pois é atualizado o bastante para tratar do surgimento da Image Comics, editora que revolucionou o mercado com suas revistas coloridas por computador. Numa perspectiva mais "séria", o autor também toca alguns pontos polêmicos: a censura, o racismo, o sexismo e o fato de que muitos criadores não usufruíram as fortunas criadas em torno de seus trabalhos.
Vale ressaltar que Sabin não se propõe a catalogar nem a citar o maior número possível de personagens ou de criadores. Prefere, isto sim, fazer uma análise geral de cada um dos principais gêneros e mencionar apenas os nomes mais representativos. As únicas omissões graves do livro dizem respeito às tiras de jornais distribuídas via syndicates. É de estranhar que Calvin, de Bill Watterson, e Doonesbury, de Garry Trudeau, por exemplo, sequer sejam citados. Mas, no que se refere às histórias em quadrinhos em forma de comic book ou graphic novel, o livro não deixa nada a desejar.

Além de discutir o papel dos quadrinhos como arte e meio de comunicação, Sabin jamais esquece que eles são, antes de mais nada, uma indústria. Nessa linha, o autor analisa as tendências de mercado e as estratégias comerciais adotadas pelas editoras. Trata-se, mais uma vez, de uma abordagem rara em outras obras do gênero (outro ponto bastante positivo é que, ao final de cada capítulo, há um conjunto de notas com observações e fontes bibliográficas, coisa que também não costumamos encontrar por aí).

Mesmo que você não concorde com muitas das opiniões do autor ou até o ache um pouco pretensioso em alguns momentos, Comics, Comix and Graphic Novels constitui-se em boa fonte de referência para pesquisadores e aficcionados. E com mais um diferencial: o belo projeto gráfico que caracteriza todas as publicações da Phaidon.

CHELSEA, David. Perspective! for comic book artists: how to achieve a professional look in your artwork . New York : Watson-Guptill Publications, 1997. 176 p. ISBN 0-8230-0567-4 US$19.95

Imagine uma história do Homem-Aranha onde o nosso herói não apareça saltando ou se balançando entre os prédios e arranha-céus de Nova Iorque. Impossível, a não ser que ele tenha sido arrancado de seu ambiente, ou, até, que o desenhista tenha se esquecido de acrescentar os cenários. Esse exemplo serve para mostrar a importância do conhecimento sobre perspectiva, que torna possível ao artista desenhar, nos mais diversos ângulos, cenários de grandes metrópoles ou um simples cômodo mobiliado. Por isso, um livro como Perspective! for comic book artists: how to achieve a professional look in your artwork , do cartunista americano David Chelsea, é mais do que bem-vindo.

Apesar de desconhecido no Brasil, o autor é um desenhista experiente, tendo colaborado em diversas publicações como, por exemplo, o New York Times , a Reader’s Digest (mais conhecida por aqui como Seleções) e Spy. Além disso, produz caricaturas para o New York Observer e é autor de duas graphic-novels autobiográficas, David Chelsea in Love e Welcome to the Zone .

O livro foi criado para atender às necessidades específicas dos desenhistas de quadrinhos que, em seus trabalhos, precisam desenhar bem e rapidamente qualquer coisa pedida em um roteiro, mas, na maioria das vezes, não dispõem de tempo e nem de referências. Não é à toa, como o próprio Chelsea menciona na página de agradecimentos, que boa parte dos desenhos de fundos e cenários nos quadrinhos seja feita, na verdade, por assistentes anônimos - e que o próprio livro dele se inclui nesse caso. Ele agradece a ajuda de seus três assistentes David Kidd, Milan Erceg e Tom Herman, cujo resultado final, diga-se de passagem, é belíssimo.

Perspective! for comic book artists não irá decepcionar tanto os iniciantes no assunto como os profissionais em busca de referência, pois não se enquadra nem entre os manuais que tratam o tema de maneira vaga e superficial, como um mero apêndice, nem entre as obras técnicas, feitas para arquitetos e engenheiros, e que fazem o assunto parecer um bicho de sete cabeças para os leigos.

O mais interessante é a forma que Chelsea escolheu para tratar do assunto: na própria forma de uma história em quadrinhos. Nada mais apropriado, se considerarmos o público-alvo. A inspiração, é claro, como o próprio Chelsea admite, veio do aclamado Understanding Comics (no Brasil, Desvendando os Quadrinhos ) de Scott McCloud . Essa escolha, além de tornar o ensino de perspectiva mais claro e objetivo (sem falar em mais divertido), ajuda a comprovar as teorias de McCloud sobre o potencial dos quadrinhos, com diferentes finalidades.

O próprio Chelsea aparece como protagonista da história, dando aulas particulares para Mugg, um personagem criado especialmente para o livro, no “papel” do aluno ignorante. Além de render algumas das passagens mais engraçadas do livro, Mugg com certeza foi criado para que muitos dos leitores se identificassem com ele. A exemplo do livro de McCloud, Chelsea também termina prometendo uma continuação. Tomara que saia logo.

NYBERG, Amy Kiste. Seal of approval: the history of the comics code . Jackson : University Press of Mississipi, 1998. ISBN 0-87805-974-1 (alk. Paper.) – ISBN 0-87805-975-X (pbk.: alk. Paper)

Qualquer pretenso pesquisador ou historiador dos quadrinhos já ouviu falar alguma coisa sobre os fatos que culminaram na criação do Comics Code , o código de ética dos quadrinhos americanos (que também ganhou o seu carbono tupiniquim alguns anos depois). Nos Estados Unidos, em meados da década de 1950, um psiquiatra austríaco escreveu um livro chamado The Seduction of the Innocent ( A Sedução do Inocente ), no qual afirmava que os quadrinhos seriam uma das principais causas da crescente delinqüência juvenil; uma verdadeira “caça às bruxas” passa então a ser perpetrada por grupos de pais, educadores, religiosos e políticos contra as editoras de quadrinhos; para escapar de uma censura oficial, as grandes editoras criam uma forma de auto-censura para evitar novas dores de cabeça (e, para “unir o útil ao agradável”, tirar do caminho concorrentes como a Entertainment Comics , a E.C, famosa pelos seus quadrinhos de terror e suspense). Pois essa mesma história é contada por Amy Kiste Nyberg, professora do Departamento de Comunicação da Seton Hall University , em seu livro, Seal of approval: the history of the comics code . Porém, com uma grande diferença a seu favor: foge totalmente do maniqueísmo e da superficialidade que quase sempre caracterizaram as reconstituições desse episódio.
Os editores de quadrinhos são retratados como aquilo que realmente eram, ou seja, empresários querendo vender seu peixe em um mercado altamente competitivo, e não como pobres vítimas ingênuas e indefesas lutando pela liberdade de expressão em uma América puritana. Wertham, apesar de bastante criticado pela autora, também não é mostrado como um fanático insano; pelo contrário, ela nos lembra que ele possuía sólida formação em algumas das mais conceituadas universidades da Europa e um currículo profissional dos mais respeitáveis (foi um dos primeiros a defender atendimento e acompanhamento psiquiátrico gratuitos para presidiários e famílias carentes). Mais importante: ela também não poupa críticas aos senadores que organizaram uma C.P.I eleitoreira contra os editores de quadrinhos, mas os acusa de vaidosos e de oportunistas.
O livro, ao enfatizar os bastidores da indústria dos quadrinhos e o contexto sócio-político onde os fatos ocorreram (em pleno auge da paranóia comunista, em um país conhecido pela contradição de possuir uma cultura puritana e moralista convivendo lado a lado com um discurso democrático), acaba nos fornecendo um rico painel de informações, levantando questões tão diversas quanto censura versus liberdade de expressão; influência dos meios de comunicação sobre a realidade social; sensacionalismo da imprensa; valores morais defendidos por grupos conservadores, entre outros aspectos. E ao contextualizar os fatos, a autora nos lembra as diferenças entre o mercado de quadrinhos nos Estados Unidos daquela época e o mercado de quadrinhos nos Estados Unidos de hoje. Enquanto, nos dias atuais, ele se apresenta extremamente segmentado e o público é composto quase que inteiramente de adolescentes e adultos aficionados (majoritariamente do sexo masculino) que compram suas revistas em lojas especializadas, naquela época o mercado era massificado e formado por crianças de ambos os sexos, que compravam as revistas em jornaleiros ou lojinhas de conveniência. E isso nos ajuda a entender melhor porque os quadrinhos eram encarados com tanta preocupação por certos pais e educadores.
Pelo seu viés, o livro, no entanto, pode decepcionar alguns. Pois trata-se de uma abordagem mais sociológica e política, ao contrário de uma história estética dos quadrinhos em si. Além disso, possui apenas algumas poucas (mas bem escolhidas a título de exemplos) ilustrações, entre as quais uma história em quadrinhos completa de sete páginas intitulada The Whipping , publicada originalmente na revista Shock SuspenStories #13 da E.C. A história trata dos problemas do racismo e da xenofobia, e gerou uma enorme polêmica. Por si só, já valeria o livro.
Além disso tudo, o livro também publica na íntegra as diferentes versões do código, criado pela Comics Magazine Association of America em 1954 e alterado apenas duas vezes, uma em 1971, e a outra em 1989, além de um protótipo do código criado pela então Association of Comics Magazine Publishers , em 1948 .
É um livro fundamental tanto para pessoas dos ramos quadrinístico quanto para estudantes de comunicação, educadores, psicólogos, sociólogos, historiadores e acadêmicos em geral. Nada mais atual em tempos de discussão sobre a possibilidade (ou não) de se controlar a mídia (incluindo a Internet) e o aumento generalizado da violência.
Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).

Sunday, December 25, 2005

AVENTURA, TERROR E FICÇÃO ou GAROTAS SEMINUAS, MONSTROS, BÁRBAROS E FUTURO PÓS-GUERRA NUCLEAR




A década de 1970, que é a década em que,coincidentemente, o autor deste blog nasceu, foi marcada por uma onda de revistas em quadrinhos de terror, ficção científica e histórias do gênero espada e magia. Nos Estados Unidos, essas revistas (magazines ou mags, como são chamadas lá) eram publicadas em formato maior, o mesmo de uma Time ou Newsweek, para serem vendidas como “revistas de gente grande” e fugir do Comics Code Authority, o órgão responsável pela censura nos gibis norte-americanos.

Entre as editoras que publicaram revistas com essas características, podemos destacar a Warren, que publicava as revistas Creepy, Eerie e Vampirella,a Skywald, cujas revistas imitavam as da Warren, e a própria Marvel. As revistas da Warren começaram a ser publicadas em meados e fins dos anos 60 do século XX, mas foi na década seguinte que esse tipo de revista virou moda e começou a ser publicada até pela poderosa Marvel. Sem dúvida, o trabalho dos editores (e também roteiristas) Archie Goodwin e Roy Thomas contribuiu muito para a qualidade dessas revistas. Goodwin trabalhou na Warren e na Marvel, Thomas trabalhou na Marvel, onde começou como assistente de Stan Lee.

Boa parte desse material foi publicado no Brasil nas décadas de 1970 e 1980. O material da Warren foi publicado na saudosa revista Kripta, lançada pela RGE (Rio Gráfica e Editora, atual Editora Globo), que foi um sucesso na época, e na revista Shock, também lançada pela RGE, mas que não conseguiu repetir o sucesso de sua antecessora. O material da Marvel saiu em revistas de diferentes editoras: as histórias da Bizarre Adventures e Savage Tales saíram aqui nas revistas 3a Geração, da RGE, e Aventura e ficção, da Abril.
Vale lembrar que nos anos 1980, a Abril lançou a revista A espada selvagem de Conan, que foi um grande sucesso e trazia material originalmente publicado na Savage Sword of Conan,que também era publicado no fomato magazine com histórias "mais adultas" em preto e branco .

Outro título que a Marvel publicou seguindo esse mesmo padrão foi Planet of the Apes, que adaptava para os quadrinhos os filmes da série Planeta dos macacos. O material dessa revista chegou a ser publicado por aqui no gibi Planeta dos macacos,lançado pela Bloch Editores, mas em formatinho e com um colorido que prejudicava a arte original.

Um diferencial dessas revistas estava nas capas pintadas e no miolo em preto e branco. De vez em quando, era lançada alguma edição especial com histórias coloridas, mas isso era exceção, não a regra. Também havia revistas que alternavam numa mesma edição histórias coloridas e em preto e branco, caso da Epic Illustrated, lançada pela Marvel para competir com a revista Heavy Metal. Diferente das revistas em quadrinhos tradicionais, os comic books (como são chamados os gibis nos Estados Unidos) que possuem capas com desenhos a traço, as capas dessas comic magazines traziam pinturas produzidas por ilustradores prestigiados. Naquela época, os recursos da computação gráfica ainda não estavam disponíveis e os ilustradores criavam essas capas empregando técnicas de pintura a óleo, guache e aerógrafo. Dentre os ilustradores que produziram varas capas nesse período estavam Frank Frazetta, Boris Valejo e Earl Norem. A estética dessas capas tinha mais em comum com capas de discos de heavy metal, cartazes de cinema e capas de livros de literatura fantástica do que com capas de gibis. O trabalho desses ilustradores, especialmente de Frazetta, era criticado pelas puritanas feministas norte-americanas que consideravam machistas as imagens de mulheres sensuais seminuas. Fato que pouco ou nada prejudicou as vendas dessas revistas, cujo público, em sua maioria, era masculino e adorava as capas.

O interior dessas revistas trazia arte em preto e branco, o que ajudava a baratear os custos. O preto e branco abria novas possibilidades para os artistas mais habilidosos que exploravam ao máximo os seus conhecimentos de luz e sombra. Técnicas mais arrojadas de arte-final, empregando nanquim, bico de pena e pincéis, podiam ser encontradas nas páginas dessas revistas.

Além do trabalho de roteiristas e desenhistas norte-americanos, essas revistas também traziam o trabalho de vários artistas espanhóis e filipinos. Entre os espanhóis estavam José Ortiz e Luis Bermejo, que trabalhavam nas revistas da Warren. Entre os filipinos estavam Alfredo Alcala, Tony de Zuñiga e Nestor Redondo, que trabalhavam principalmente para as revistas da Marvel.

Os roteiros também merecem atenção. Nessas revistas, era comum histórias de terror e ficção científica abordarem temas como intolerância, corrida armamentista e destruição do meio ambiente. Reflexo da Guerra Fria e do período pós-Guerra do Vietnã.

O erotismo também era outro elemento presente em muitos desses quadrinhos, mas sempre de forma bem dosada, sem cair na pornografia. Isso se devia tanto ao fato de essas revistas serem dirigidas ao público adulto quanto à liberalização dos costumes ocorrida na década anterior com o movimento hippie.

Hoje, esses quadrinhos despertam nostalgia em quem os leu anos atrás e é uma pena que sejam desconhecidos pela maioria do público mais jovem. É uma pena. Pois eles tem muito a ensinar aos atuais criadores de quadrinhos. A arte dessas revistas era em média muito superior à de vários quadrinhos atuais. Prova de que revistas em preto e branco podem ser melhores do que revistas coloridas por computador. O trabalho dos roteiristas daquela época também tem muito a ensinar aos roteiristas de hoje: quadrinhos podem ser inteligentes e divertidos ao mesmo tempo. Infelizmente, muito do que hoje encontramos nas bancas não é uma coisa nem outra.


Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).

Saturday, December 24, 2005

Mais cartuns com os heróis dos quadrinhos


Hoje estou postando quatro desenhos meus que já apareceram no Fotolog, dos quais, um, o do Super-Homem, apareceu primeiro no Gibindex. Fiz este desenho em 1997 e foi um dos primeiros a aparecer no link que eu tinha no Gibindex.Todo mundo que acompanha quadrinhos sabe que o Super-Homem sempre teve uma “quedinha” pela Mulher-Maravilha (sem falar que, por razões biológicas óbvias, um relacionamento entre os dois é mais plausível do que o romance dele com a Lois Lane). Me inspirei naquela antiga história escrita e desenhada pelo John Byrne, na qual o Homem de Aço e a Amazona tem um projeto de namoro, mas que não sai daquele papo furado de “bons amigos”. Um final “broxante” pra dizer o mínimo... Mais uma vez: texto e desenho de Marco Túlio Vilela, letras e cores de Rubens Menezes.

Esse do Mandrake eu tinha feito uns anos atrás (acho que 1995 ou 1996) pra um desses salões de humor. Mas acabei não mandando, não lembro se foi porque perdi o prazo ou se porque faltou dinheiro pra colocar no correio... Depois o Rubens acabou colorindo pra colocá-lo num outro projeto de site que sei lá porque acabou não se concretizando.

Quem disse que o novo Superboy tava mais pra “Superboiola”? Mais uma vez: texto e desenho de Marco Túlio Vilela, este humilde escriba que vos fala, letras e cores de Rubens Menezes.

Fiz esse desenho do Spawn e da Angela em 1998 ou 1999, não estou bem certo. Era pra ter saído no Gibindex, mas acabou aparecendo primeiro no Fotolog. Mais uma vez: texto e desenho de Marco Túlio com letreiramento e colorização de Rubens Menezes.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).

Friday, December 23, 2005

Cartuns com super-heróis


Vou aproveitar o espaço para republicar alguns cartuns que fiz anos atrás. A maioria deles apareceu primeiro no Gibindex, depois no Fotolog. Eu assinava "Marco Túlio", que é o meu primeiro nome, um nome composto, mas depois, por causa da minha colaboração no livro Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula, adotei o nome "Túlio Vilela" para assinar textos. "Vilela" é o meu sobrenome e quase todo mundo que me conhece me chama por "Túlio".
Este cartum com o nosso amigo Homem-Aranha eu fiz quando ainda estava na faculdade. Acho que fiz em 1997 ou 1998, não tenho certeza. A colorização foi feita pelo meu amigo Rubens Menezes, criador do Gibindex, a enciclopédia dos quadrinhos na Internet.

Este desenho foi feito em 1997 e apareceu pela primeira vez no Gibindex. A idéia era fazer um cartum parodiando o Batman mas que NÃO repetisse duas piadas manjadas: a do Batman e Robin como casal gay e aquela do Batman encontrando o Batmóvel com os pneus roubados. E claro: queria um pretexto para desenhar algumas das mulheres mais interessantes de Gotham City... O colorido e o letreiramento são do Rubens Menezes.


Outro cartum de 1997.











Quem disse que super-heróis do segundo escalão não são passíveis de serem satirizados? Pra quem não conhece, esses são o Hawkman e a Hawkwoman, personagens dos quadrinhos que já apareceram também nos desenhos-animados dos Superamigos e da Liga da Justiça. No Brasil, eles receberam uma porrada de nomes: Falcão da Noite; Gavião Negro; Homem-Águia; Mulher-Águia; Mulher-Gavião... Nossos tradutores ainda não chegaram a um acordo. Sem falar naqueles que os confundem com o Homem-Pássaro (Birdman) e a Mulher-Pássaro (Birdwoman) dos antigos desenhos da Hanna-Barbera. Pra variar: texto e desenho de Marco Túlio, letras e cores do Rubens.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).

Saturday, December 17, 2005

OS GORILAS PREFEREM AS LOIRAS OU FILME "B" GERA GIBI DE SUCESSO


Em 1961, estreou nas telas dos cinemas Konga, uma das inúmeras imitações de King Kong. Não, não era uma versão feminina do gorila gigante. Muito menos propaganda de uma antiga marca de tênis muito popular no Brasil na década de 1970. O filme é uma pérola do cinema trash (a gente devia traduzir logo por “lixo”, pra admitir que gostamos desse tipo de porcaria) e tinha no elenco o ator inglês Michael Gough no papel do cientista vilão. Para quem não sabe, Gough é o mesmo que anos depois viria interpretar o mordomo Alfred nos dois primeiros filmes do Batman dirigidos por Tim Burton. No entanto, a quadrinização do filme desenhada por Steve Ditko, o mesmo artista que desenhou os primeiros gibis do Homem-Aranha, conseguiu um feito notável: trata-se de um caso único de quadrinização que foi mais bem sucedida do que o filme que a inspirou.

A maioria das adaptações de filmes para quadrinhos deixa muito a desejar. Quase sempre, essas adaptações são muito pouco fiéis aos filmes. Há explicações para essa pouca fidelidade. Muitas vezes, por questões de royalties, nem sempre os desenhistas estão autorizados a retratarem as personagens com os rostos de seus intérpretes. Além disso, como essas adaptações são feitas antes mesmo dos filmes ficarem prontos, para que a versão em quadrinhos seja lançada na mesma época da estréia do filme no cinema, quase sempre o roteirista do gibi é obrigado a fazer a adaptação a partir de uma primeira versão do roteiro do filme, que raramente é o roteiro definitivo. Nas produções cinematográficas, um filme pode ser reescrito muitas vezes e a versão definitiva pode ser bem diferente da primeira. Daí as várias diferenças que podem ocorrer entre a história contada no cinema e a contada no gibi. Não é de causar surpresa que boa parte dessas adaptações desagradem tanto o público quanto a crítica. Ao que parece, a adaptação de Konga foi uma feliz e inesperada exceção.

O filme Konga conta a história de um cientista que faz experiências com crescimento. Essas experiências transformam um macaquinho num chimpanzé, que por sua vez é transformado num gorila e, finalmente, em um gorila gigantesco que aterroriza Londres. A adaptação em quadrinhos desenhada por Ditko foi publicada pela Charlton e fez tanto sucesso que a editora resolveu “ressuscitar” o macaco publicando novas histórias de Konga. Na verdade, era um outro gorila com o mesmo nome, mas que diferente do seu antecessor, não era uma ameaça, mas o herói da história, enfrentado ameaças como outros monstros gigantes e até nazistas(!). De 1961 até 1965 foram lançadas quinze edições de Konga. Em 1962, a Charlton lançou The Return of Konga, cuja primeira edição não trazia o número na capa. Em 1963, o título The Return of Konga foi substituída por Konga´s Revenge, série que durou apenas três números, apesar da numeração começar a partir do dois (o pessoal da Charlton não devia ser muito bom em aritmética...).A maioria dos roteiros foram escritos por Joe Gill.

As histórias de Konga foram republicadas várias vezes. Em 1966, o número 24 da revista Fantastic Giants republicou as origens de Konga e Gorgo (outro monstro que aterrorizou Londres, cujo filme também foi adaptado para os quadrinhos pela Charlton). O mais estranho é que o número 24 foi o primeiro e único publicado! Outro exemplo da “aritmética milagrosa” da Charlton... Em 1981, várias dessas histórias foram republicadas em The Lonely One, uma coletânea em preto e branco. Nos últimos anos, os gibis de Konga são raridades bastante disputadas pelos colecionadores nos Estados Unidos, especialmente entre os fãs de Ditko.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).


Wednesday, December 14, 2005

HULK ESMAGA!


ENTREVISTA COM HERB TRIMPE

Por Túlio Vilela

Imagine o que é trabalhar como desenhista para uma das maiores editoras de quadrinhos do mundo. Imagine, agora, o que é ficar desempregado, após 29 anos de serviços prestados para essa editora; no caso, a poderosa Marvel. Pois foi justamente por isso que o artista Herb Trimpe passou, então com 56 anos de idade e dois filhos ainda na faculdade.

Trimpe trabalhou na Marvel de 1967 a 1996, e ficou famoso por ter desenhado várias histórias do Hulk, a maioria delas publicada na década de 1970 — inclusive uma de importância histórica: a primeira aparição de Wolverine, antes do popular mutante se tornar membro dos X-Men. Trimpe também desenhou o Hulk para uma capa da Rolling Stone, a prestigiada revista de rock (nenhuma relação com a banda Rolling Stones). Isso aconteceu em setembro de 1971, e primeira vez em que um herói da Marvel aparecia na capa da revista. Trimpe começou a trabalhar na Marvel em 1967, após servir um ano na força aérea norte-americana, no Vietnã, e freqüentar três anos a School of Visual Arts, famosa escola de arte de Manhattan.

Além do Hulk, desenhou histórias dos Defensores; antigo grupo de heróis da Marvel, do qual o “gigante esmeralda” também chegou a ser membro. Na década de 1980, Trimpe também desenhou uma minissérie do Homem-Máquina, com arte-final de Barry Windsor-Smith (no Brasil, os capítulos dessa minissérie foram publicados pela Abril na extinta revista Heróis da TV), e as séries Transformers e Comandos em Ação (ambas publicadas no Brasil pela Editora Globo).

Muitos leitores talvez torçam o nariz para os desenhos de Trimpe, por julgarem o seu estilo ultrapassado, mas não pode ser desprezado o fato de que ele foi um dos artistas que mais contribuiram para que a “Casa das idéias” se tornasse a potência que é hoje no mercado mundial de quadrinhos. Afinal, embora não tenha sido o primeiro artista a desenhar o Hulk, feito que coube ao “rei” Jack Kirby, foi Trimpe quem ajudou a definir o personagem. Vale lembrar que, na década de 1970, depois do Homem-Aranha, o personagem mais popular da editora era justamente o “verdão” (naquela época, os X-Men ainda estavam longe do sucesso de hoje).

Depois de sua trajetória pelos quadrinhos, Trimpe dedicou-se a outras atividades, dentre elas, a de professor de Artes para estudantes de sétima série, e de voluntário para encontrar e socorrer sobreviventes do atentado contra as Torres Gemêas, ocorrido no fatídico 11 de setembro de 2001. Nesta breve entrevista por e-mail, Trimpe falou um pouco da sua passagem pela Marvel.

1.Qual é a sua ocupação atual?
Eu não tenho um trabalho regular no momento. Eu faço principalmente trabalhos por encomenda, e escrevo alguma coisa. Escrevo mais por diversão. Eu adoro escrever, e sou autor de um livro que foi publicado por uma editora pequena, a Big Apple Vision. O livro é baseado num diário de quando eu estava trabalhando como voluntário no Nível Zero [a área destruída no atentado do 11 de setembro], em Manhattan. O título do livro é The Power of Angels [O poder dos anjos].

2.Você desenhou a primeira aparição de Wolverine. Você também foi responsável pelo design do personagem?

Você pode dizer que eu o trouxe [Wolverine] para a vida no último quadrinho da revista The Incredible Hulk, número 180, e de novo no número seguinte, mas eu não criei o visual do personagem. Foi John Romita sênior quem desenvolveu o seu visual, junto com o roteirista [Len Wein].

3.Você desenhou muitas histórias do Hulk. Você se lembra de personagens, incluindo inimigos do Hulk, que você ajudou a criar?
Não me lembro, mesmo. Houve muitos personagens secundários criados para várias das edições do Hulk em que trabalhei, mas não consigo me lembrar de todos. Dois personagens que logo me vêm à mente são Jarella, que fiz com [o roteirista e durante muitos anos editor na Marvel] Roy Thomas, e um personagem chamado Night Crawler. O Bi-Beast foi outro, mas todos eles foram criados em parceria com algum roteirista; que geralmente vinha com a idéia. Uma idéia que foi totalmente minha, uma das poucas, foram os Caça-Hulk, e a base de operações deles.

4.O que você acha do velho seriado de TV do Hulk, estrelado por Bill Bixby e Lou Ferrigno? E do filme dirigido por Ang Lee e estrelado por Eric Bana?

Eu gostava da velha série de TV, mas não posso dizer que assisti muitos episódios. Eu encontrei Lou Ferrigno certa vez, numa convenção de quadrinhos, e o sujeito era enorme. Mãos do tamanho de bandejas. Quanto ao filme, acho que ele funciona para o público em geral, mas do ponto de vista de um fã, acho que não foi assim memorável. Não é o Hulk que eu conheci nos quadrinhos.

5.Como você começou a trabalhar na Marvel?

Eu tive um amigo que era o chefe no departamento de produção, John Verpoorten. Eu o conhecia desde que freqüentávamos a escola de arte. Quando saí da Força Aérea, em 1966, ele abriu o caminho para que eu conseguisse um trabalho no departamento de produção da Marvel.

6.Na sua opinião, quais eram as principais diferenças da Marvel, a da época em que você começou e a do último ano em que você trabalhou lá?

No começo, era como fazer parte de uma família. No fim, nós, criadores, éramos apenas mais uma engrenagem na roda da corporação. Tudo muito impessoal, muito seco. Não muito divertido.

7.A Marvel lhe pagou alguma aposentadoria ou seguro-desemprego?

Nenhuma aposentadoria, mas pude receber o seguro-desemprego; o que foi muito útil, quando voltei a estudar. Na época em que eu estava conseguindo o meu diploma de mestrado, e o meu certificado de licenciatura [Trimpe tem um diploma de bacharelado em Artes e um mestrado na área de Educação pela Faculdade Empire State da Universidade do Estado de Nova York].

8.Você trabalhou muitos anos na Marvel. Você chegou a trabalhar para outras editoras?
Não, mas eu fiz um pequeno trabalho para a Dark Horse, no ano passado. Acho que foi uma capa. Não me lembro.

9.Você é um especialista em desenhar equipamentos militares. Aviões, especialmente. Isso tem alguma relação com a sua experiência no Vietnã, ou é um interesse anterior?
Nada a ver com o Vietnã. Foi o resultado de um interesse anterior, que tem a ver com meu entusiasmo por História, e o meu amor por aviação. Eu tenho uma licença de piloto, e, durante alguns anos, fui proprietário de um avião.

10.Quais são os seus quadrinhos favoritos?
Uma pergunta difícil , porque eu não comprava muitos quadrinhos, nem li muitos deles. Quando era criança, eu gostava dos quadrinhos Disney, e, depois. na época do ensino médio, eu era louco pelos quadrinhos da EC [editora famosa na década de 1950 por seus quadrinhos de terror, a mesma de onde surgiu a revista MAD]. Eu pegava emprestado de um amigo que os comprava regularmente.

11.Quais são seus artistas de quadrinhos favoritos?
Dois Jacks. Jack Kirby e Jack Davis [artista que trabalhou em todas as revistas da EC, inclusive na MAD].

12.Quais são seus roteiristas favoritos?

Como trabalhei com vários roteiristas, e convivi com eles profissionalmente, é impossível apontar um escritor favorito, especificamente. Todos faziam o trabalho deles e, enquanto as revistas estavam vendendo, todos eles eram os meus favoritos.

13. Na sua opinião qual é o arte-finalista que melhor finalizou seus desenhos?

Novamente: ao trabalhar com profissionais, eu achava que cada arte-finalista tinha alguma coisa de especial para contribuir com a revista. Eu nunca pensei em favoritos quando estava trabalhando. Cumprir prazos eram o objetivo principal. Tudo que me importava era isso: se conseguiríamos entregar a revista no prazo. Dito isso, sendo um antigo fã da EC, eu fiquei entusiasmado quando John Severin finalizou meus desenhos. Eu tive o prazer de encontrá-lo, e de conversar com ele pelo telefone umas duas vezes. Ele era um grande sujeito. Agora, é este fã falando agora.

14.A religião influenciou seu trabalho de alguma forma [Trimpe também é capelão da igreja episcopal no St. John´s Memorial em Ellenville]?
Apenas quando eu rezava a Deus para receber o pagamento e conseguir outro serviço.

15.Você desenhou uma pin-up do Escapista, inspirada no estilo das capas dos gibis de super-heróis da “Idade de Ouro” [do fim da década de 1930 a parte da década de 1940]. Como alguém que já trabalhou para uma editora de quadrinhos, o que você achou do livro de Michael Chabon [As aventuras de Kavalier e Klay]?

É divertido trabalhar com estilos diferentes. Eu fiz a capa e Michael gostou muito. O trabalho dele? Espetacular! É tudo o que posso dizer.

16. Você escreveu um livro e alguns contos. Você já pensou numa carreira literária? Você pensa em escrever e ilustrar um livro?

Eu pensei nisso por um ou dois segundos, mas eu gosto de escrever mais por diversão. Eu passei seis meses tentando conseguir um agente para um livro para jovens que escrevi, e como era uma verdadeira droga, fracassei. Fiquei cansado de tentar vender eu mesmo, de convencer alguns estranhos de que eles deveriam comprar meu trabalho para que eu ganhasse algum dinheiro. Em vez disso, decidi ser pobre — o que eu não sou, mas é o que decidi nesse caso.

17. Você pretende voltar a desenhar quadrinhos ou criar seus próprios personagens?
Não. Isso não está nos planos. Eu tenho outros interesses agora, com os quais estou me ocupando. E espero que sejam o bastante para eu seguir em frente.

O site oficial de Herb Trimpe é:

http://herbtrimpe.com/

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do estado de São Paulo e um dos autores do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula (Editora Contexto).

Tuesday, December 13, 2005

O verdadeiro criador do Homem-Aranha














Este é outro verbete que escrevi para o Gibindex (www.gibindex.com.br). Vale a pena visitar essa enciclopédia pioneira dos quadrinhos na Internet. O Rubens, idealizador do Gibindex, realizou um grande trabalho. Pena que ele não teve mais tempo para dar continuidade a esse projeto. As imagens dos trabalhos de Ditko (inclusive a da capa rejeitada que Ditko havia criado para Amazing Fantasy #15, o gibi que marca a estréia do herói aracnídeo) foram retiradas de Ditko Looked Up, um excelente site dedicado ao artista, disponível no endereço http://www.ditko.comics.org/ditko.html



Steve Ditko, desenhista e roteirista norte-americano que ao lado do editor e escritor Stan Lee criou em 1962 o super-herói Homem-Aranha. Apesar de ter ajudado a criar o maior ícone da editora norte-americana Marvel Comics, Ditko é uma das figuras mais injustiçadas na história dos quadrinhos, não recebendo o mesmo reconhecimento que seus colegas Stan Lee e Jack Kirby na criação do chamado “Universo Marvel”.
Steve Ditko nasceu em 02 de novembro de 1927 em Johnstown, no estado norte-americano da Pensilvânia e cursou desenho na Cartoonists and Illustrators School na cidade de Nova Iorque. No início da década de 1950 ele iniciou sua carreira desenhando histórias para gibis de terror e suspense, gêneros em que o seu estilo peculiar se encaixava com facilidade.

Como o próprio Stan Lee admite, o plano inicial era que o Homem-Aranha fosse desenhado por Jack Kirby, mas a versão desenhada por Kirby foi reprovada por Lee que, então, transferiu a tarefa para Ditko. Segundo Joe Simon, outro veterano dos quadrinhos, em seu livro The Comic Book Makers, a participação de Ditko foi bem maior do que a creditada. De acordo com Simon, o Homem-Aranha desenhado por Ditko tinha apenas o nome em comum com a versão desenhada por Kirby . Na versão de Kirby, o Homem-Aranha seria um adolescente que se transformava em um super-herói adulto ao encontrar um anel mágico numa teia de aranha. Além disso, nessa versão o herói andaria armado com uma pistola que disparava uma espécie de raio paralisante e teria o visual bastante parecido com o do Mosca, um super-herói publicado na década de 1950 pela editora Archie Comics. Ditko simplesmente ignorou esta versão e criou um novo visual e uma nova origem ao herói, ou seja transformou o Homem-Aranha no super-herói que todos conhecemos. Ditko também teve participação decisiva na criação da galeria clássica de arquinimigos do herói aracnídeo: Abutre; Doutor Octopus ; Kraven, o caçador; Mystério; Elektro e Duende Verde entre outros. Em 1966, Ditko deixou de desenhar as aventuras do Homem-Aranha após divergências criativas com Lee quanto à direção que os enredos deveriam tomar.

Na Marvel, outra criação de Ditko em parceria com Lee foi o Doutor Estranho, publicado pela primeira vez em 1963, cujas primeiras aventuras se distingüiam pelo seu visual psicodélico, que era considerado bastante moderno para a época.

Ditko também desenhou e criou super-heróis para outras editoras como a DC e as extintas Charlton e Eclipse. Para a DC, ele criou em 1968 o Rastejador (The Creeper) e a dupla Rapina e Columba (Hawk and Dove) e em 1977 Shade, the Changing Man. Para a Charlton, cujos direitos sobre as personagens foram todos depois comprados pela DC, ele desenhou na década de 1960 as aventuras do Capitão Átomo e do Besouro Azul entre outros e criou o vigilante mascarado conhecido como Questão, cuja primeira aventura foi publicada em 1967. Para a Eclipse, ele criou em 1983 um super-herói chamado Static, inédito no Brasil.

Para a Charlton, além de super-heróis, Ditko desenhou muitas histórias de terror que chegaram a ser publicadas no Brasil na revista Pesadelo, publicada pela saudosa Editora Vecchi, e a quadrinização do filme Konga (um plágio de King Kong produzido na Inglaterra), lançada em 1960 e que vendeu tanto que os editores decidiram publicar uma série. Outra editora para a qual Ditko também desenhou histórias de terror foi a Warren Publishing, parte desse material foi publicado no Brasil na antiga revista Kripta, publicada pela Rio Gráfica e Editora (atual Editora Globo) durante as década de 1970 e início da década de 1980.

Uma curiosidade envolvendo Ditko é o fato de o artista Eric Stanton , conhecido por suas ilustrações eróticas de mulheres amarradas, ter afirmado que Ditko chegou a finalizar com nanquim os esboços a lápis de algumas dessas ilustrações durante a década de 1960. De fato, as ilustrações apresentam um estilo bastante semelhante ao dos desenhos das HQs de Ditko que nega ter finalizado qualquer desenho de Stanton.

Na década de 1980, Ditko voltou a trabalhar para a Marvel desenhando a toque de caixa títulos como Rom, Indiana Jones e Chuck Norris and the Karate Kommandos. Mais recentemente, a editora Fantagraphics lançou algumas coletâneas com antigas e novas HQs do artista.

Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).

Monday, December 12, 2005

Gil Kane, o homem que mudou a maneira de desenhar super-heróis




Ao lado: auto-retrato de Gil Kane.
Abaixo: quadrinho da história em que o Homem-Aranha encontra pela primeira vez Morbius, vampiro cuja primeira aparição foi desenhada por Kane.

O texto a seguir é de minha autoria e foi publicado originalmente na forma de um verbete para o Gibindex, a Enciclopédia dos Quadrinhos na Internet, site criado pelo meu amigo Rubens Menezes, vencedor de um HQ Mix. Quem quiser conhecer o Gibindex, pode acessá-lo no seguinte endereço: www.gibindex.com.br

Gil Kane nasceu em 06 de abril de 1926 em Riga, Letônia. Desenhista que, ao lado do editor Julius Schwartz e do roteirista John Broome, criou o Lanterna Verde da “Era de Prata”, publicado pela primeira vez em 1959. Gil Kane se destacou em sua carreira por ter desenvolvido um estilo que aliava um extraordinário conhecimento de anatomia a ângulos ousados e ênfase nos gestos e nas expressões faciais, acrescentando grande dramaticidade às personagens. Seu nome verdadeiro era Eli Katz, nasceu na Letônia, pequeno país europeu que faz divisa com a Rússia, e logo mudou-se com a família para os Estados Unidos. Enquanto crescia na cidade de Nova Iorque, o garoto que viria a ser conhecido como Gil Kane apaixonou-se pelas histórias em quadrinhos publicadas nos jornais, especialmente as séries de aventuras desenhadas pelos seus ídolos Alex Raymond (Flash Gordon), Hal Foster (Príncipe Valente) e Milton Caniff (Terry e os piratas). Ainda adolescente, ele já estava trabalhando no ramo das revistas em quadrinhos, tanto como freelance quanto como empregado nos estúdios de Jack Binder (irmão de Otto Binder, principal roteirista das primeiras aventuras do Capitão Marvel original) e de Bernard Baily ( o primeiro desenhista do Espectro).

No final da década de 1950 e início da década de 1960, quando Julius Scwartz, editor da DC, resolveu publicar novas versões de super-heróis da editora, Kane foi um dos artistas mais requisitados. Ao desenhar as aventuras do Lanterna Verde Hal Jordan, Kane simplesmente revolucionou a maneira de se desenhar histórias de super-heróis, ou melhor, a maneira de se desenhar super-heróis voando: usando seu enorme conhecimento de anatomia, Kane sempre desenhava o Lanterna Verde voando em poses elegantes, que mais lembravam os movimentos de um nadador, e sempre com os cabelos do herói acompanhando a direção do vento. O design do uniforme do herói também foi criado por Kane e permanece sendo um dos mais belos já criados. Numa entrevista Kane comentou: "Eu comecei usando as linhas do corpo como base para o uniforme, não apenas colocando umas roupas apertadas e uma inicial no peito". Na mesma época, Kane também foi o principal desenhista das aventuras do Elektron, outro super-herói da DC, escritas pelo roteirista Gardner Fox.
Na década de 1970, Kane passou a trabalhar para a principal concorrente da DC, a Marvel Comics, onde se destacou ao ocupar o posto de desenhista do Homem-Aranha. Mais uma vez, Kane mostrou-se inovador ao desenhar o herói em ângulos impensáveis para desenhistas com um menor conhecimento de anatomia e de perspectiva. Durante sua passagem pelas aventuras do aracnídeo, Kane criou o design de outro personagem de forte impacto visual, mas desta vez, de um super-vilão: Morbius, o Vampiro Vivo. A forte carga dramática que Kane imprimia às expressões de suas personagens ajudaram a tornar ainda mais inesquecível uma das mais clássicas histórias do Homem-Aranha: O dia em que Gwen Stacy morreu, história escrita por Gerry Conway que mostra a namorada do herói sendo assassinada pelo seu arquinimigo, o Duende Verde. Para quem leu esta história é impossível esquecer a expressão de insanidade do vilão e o olhar de ódio de um Peter Parker enfurecido com a morte de sua amada. Além do Homem-Aranha, Kane desenhou outros heróis da editora como, por exemplo, Adam Warlock e Kazar. O artista também foi um dos principais capistas da editora na época.
Outro gênero em que Kane se destacou foi o de espada e magia, tendo desenhado para a Marvel várias histórias de Conan, o bárbaro e até criado seu próprio herói: Shane , o guerreiro loiro, cujas aventuras forma publicadas no Brasil em alguns números da revista A Espada Selvagem de Conan.
Além do trabalho em gibis, Kane desenhou algumas tiras para jornais: uma série de ficção científica intitulada Star Hawks, que estreou em 1977 e durou quatro anos, escrita por Archie Goodwin , e na mesma época, durante algum tempo, as tiras de Tarzan.
No início da década de 1980, Kane voltou a trabalhar para a DC, desenhando algumas edições anuais de Superman, a minissérie Sword of the Atom, estrelada pelo mesmo Elektron que havia desenhado décadas antes, e algumas capas. Foi justamente uma história desenhada por Kane que mostra o Homem de Aço enfrentando Brainiac a escolhida para abrir o primeiríssimo número da revista Super-Homem, o primeiro título publicado pela Editora Abril com personagens da DC, lançado em 1984. Em meados da mesma década, Kane começou a trabalhar na produção de desenhos animados para a televisão, fazendo design de personagens para uma série de desenhos animados do Super-Homem para a Ruby-Spears, a mesma produtora dos desenhos do Bicudo, o lobisomem. Ainda trabalhando para a DC, Kane mostrou que estava com o lápis em plena forma ao desenhar uma minissérie publicada em 1989 que adaptava para os quadrinhos a ópera O Anel dos Nibelungos, obra do compositor alemão Wagner.
Em fevereiro de 2000, Gil Kane faleceu em decorrência de um câncer, mas pouco antes disso ainda estava na ativa desenhando quadrinhos para a DC. Um desses últimos trabalhos foi publicado postumamente: uma aventura conjunta do Lanterna Verde e do Elektron que saiu no número 28 da revista Legends of DC Universe. O roteirista britânico Alan Moore homenageou o artista batizando de Kane uma de suas personagens.
Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).

Sunday, December 11, 2005

Uma loira no alto do Empire State

Aproveitando a onda em cima da nova refilmagem de King Kong, decidi estrear o meu blog com a imagem da capa do número 81 da revista Eerie, lançada nos Estados Unidos em fevereiro de 1977. O ilustrador responsável pela capa é Frank Frazetta, artista norte-americano conhecido pelas capas que produziu para os livros com as aventuras de Conan, o bárbaro.
A Eerie era uma revista em quadrinhos com histórias de terror, ficção científica e suspense. Para escapar de problemas com censura, essa revista era publicada num formato maior do que o dos gibis norte-americanos. Outra diferença era o fato de suas histórias serem publicadas em preto e branco. Assim, tecnicamente, Eerie era uma revista (magazine) e não um gibi (comic book), o que a deixava livre da censura do Comic Code, o órgão de autocensura das editoras de gibis nos Estados Unidos.
A editora responsável pela Eerie era a hoje extinta Warren Publishing, que também publicava as revistas Creepy e Vampirella. O material dessas revistas foi publicado no Brasil pela Rio Gráfica e Editora (atual Editora Globo) de meados da década de 1970 até o início da década de 1980 na saudosa revista Kripta.
A edição aqui mostrada trazia no seu interior várias histórias parodiando ou fazendo referências ao filme do King Kong original, inclusive histórias com loiras gigantes. Os editores da Warren costumavam solicitar aos roteiristas e desenhistas que criassem histórias inspiradas nas capas. Assim, uma mesma capa podia servir de inspiração para histórias bastante diferentes. Entre os artistas que mais colaboraram nas revistas da Warren, estava o espanhol José Ortiz, que hoje é mais conhecido pelos fãs dos quadrinhos italianos de faroeste como Tex e Mágico Vento, publicados no Brasil pela Mythos Editora. As histórias dessa edição de Eerie foram publicadas no Brasil no número 13 de Kripta, mas a capa original de Frazetta foi refeita por um artista brasileiro.
Neste blog ivocê irá encontrar textos sobre quadrinhos e sempre que possível irei compartilhar com vocês as minhas opiniões sobre a arte seqüencial.
Túlio Vilela, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” (Editora Contexto).